Posfácio

Neste mundo material tudo chega ao fim, inclusive as coisas imateriais. Do mesmo modo, este blog, essa Era na minha vida chegou ao fim. Talvez seja fácil esquecer, quando se vê algo qualquer que alguém produziu, principalmente algo de natureza literária, que essas coisas tem um autor (algo parecido em essência com o que Marx chamava de fetichismo da mercadoria), e que essas coisas conversam intimamente com a vida do autor. Este blog foi uma espécie de espelho, de diálogo interno, de grito no deserto, teatro, docudrama, mockumentary, piada, choro, fantasia e às vezes uma representação tão fiel do mundo e de mim quanto me era possível. E eu não tenho ideia de quando cada coisa dessas foi cada coisa dessas.

Mas como neste mundo material tudo chega ao fim, inclusive as coisas imateriais, o tempo deste espaço se acabou. Se isso era um fundo de poço, cheio de vermes, mofo e decomposição, essa decomposição se acabou e restou um fundo de poço desertificado. Na verdade não restou nem fundo de poço, nem deserto. Foi-se. É hora de novos fundos, meios ou superfícies de poços, ou de nada (quem é que sabe?).

De todo modo, caso eu crie algum outro projeto de natureza semelhante, eu deixo o link bem acima deste post. Até lá!

Seu amor

Por seu amor
eu sofro e sou feliz
vivo esta vida
mesmo por um triz
sou angel e creep
humano e dinossauro
paz e desequilíbrio
lousa e pincel
dor e prazer
cavaleiro e corcel
deixo a penumbra
meu habitat
e contemplo a aurora
luz dolorosa
do seu amor

Por seu amor
já não importa
em qual lado do espectro
cada coisa se encontra
nada entra nem sai
pela minha porta
tudo é stand by
o balão murchou
o oceano encolheu
no fim do caminho
o mundo parou
de girar,
meu amor,
sem seu amor

Fim de tarde

Era o pior momento da minha vida
e lá estava você
linda que nem um fim de tarde
quando eu te conheci eu sabia
que você era tudo que eu queria –
além de morrer

daí tinham essas duas forças
lutando dentro de mim
uma que queria a vida
que você sabe bem qual é
e a outra que não aguentava mais
e que você sabe bem qual é

era o pior momento da minha vida
e lá estava você
e a gente se desencontrava tanto
e se desentendia tanto
e parecia que não era possível conversar

eu só queria você
e que você me aceitasse e me entendesse
e confiasse em mim
com o tempo a gente encontraria nosso caminho
nada é natural
nada se encontra sem desencontros

às vezes eu paro na minha janela
pra escapar do meu quarto abafado
e te vejo na minha cama
linda que nem um fim de tarde
a vida era tão boa nesses momentos
que parecia que passaria
o pior momento da minha vida

e passou
você já não estava mais na minha cama vazia
nem no meu quarto vazio
nem na minha vida vazia
mas já não é o pior momento da minha vida
que apesar de toda a dor que nos causamos
não sei se passaria
se não tivesse passado esses momentos com você
não dá pra saber
as coisas são como são

o que eu posso dizer agora
é que aprendi a não fazer bagunça
a não causar desentendidos
a não menosprezar o pensamento dos outros
os sentimentos dos outros
como se tudo que importasse
fosse uma verdade fria e impessoal

a tristeza está sempre à porta
esperando a gente deixar ela entrar
e se eu me descuido um pouco
ela entra e tenta me afogar
e quando você se afoga, e se desespera
arrasta quem quer te ajudar

eu luto contra a tristeza
eu tento não me desesperar
pra poder ser ajudado
e pra poder ajudar
sem ser arrastado
e sem arrastar

eu sei bem o que é
estar no pior momento de sua vida
e pensar que não tem futuro
e se desesperar
e ter impulsos contraditórios
por isso mesmo me parte o coração
contribuir para esse sentimento em alguém

eu sinto como se fosse uma doença
que eu tivesse te passado
uma tristeza mortal
que um passa para o outro
até que não sobre mais ninguém no mundo

eu sei que as coisas não são assim
mas sei que podemos fazer muito mal
para outra pessoa
mesmo amando
mesmo sem querer

mas também sei
que o melhor que eu posso fazer
é ficar na minha
e seguir minha vida
e ser o melhor possível
porque nossas vidas ainda podem ser
lindas como um fim de tarde

Lamentando o eterno movimento dos barcos

Não passou um dia sem que eu sentisse sua falta

Não passou um dia sem que eu lamentasse os meus erros. Mesmo quando o erro era ser eu

Não passou um dia sem que eu pensasse o que poderia ter sido feito diferente

Não passou um dia sem que eu não me entristecesse pela tristeza causada, casada

Não passou um dia sem que eu desejasse que pudéssemos conversar, abraçar, beijar

Não passou um dia sem que eu me culpasse e martirizasse

Não passou um dia sem que eu lamentasse você não confiar em mim

Não passou um dia sem que eu lamentasse ser intransigente e impaciente – eu também sofria

Não passou um dia sem que eu quisesse que você fosse feliz

Não passou um dia sem que eu quisesse que fosse possível

Não passou um dia sem que eu te quisesse

Não passou um dia sem que eu quisesse o futuro que não foi

Não passou um dia sem que eu pensasse nas páginas em branco do caderno que ficou pela metade

Não passou um dia, tentei passar, tentei, mas continuo lá

Passou um ano. Não passou.

Aprendendo a viver

Longe
das paixões tolas
dos homens tolos
a vida é tão bonita

Perto
do teu peito aberto
longe do deserto
a vida é tão bonita

E tão difícil encontrar
o lugar propício
a medida exata
e o tempo certo

E eu que estou aprendendo
a viver
sem sofrer pelo que não me cabe –
não me caibo em nada

E me falto
e me basto
e me acabo

Durmo ao teu lado
acordo a salvo
de um pesadelo
e a vida é tão bonita